24 de mai. de 2007

Enquanto os anjos dormem

Conto nº 01


por Felipe Belão Iubel



(com o objetivo de declarar meu amor e desejo de reconciliação com meus amigos e irmãos das letras e dos dedos quentes nos teclados do Brasil)

Acordei confuso. Senti que meu irmão me segurava pela mão, mesmo morando sozinho. Pude ouvir sua voz ao longe e tive saudades. Saudades de um tempo que talvez tenha passado em um mundo que não se abre para memória ou palavra. Um mundo que era só meu e que insistia em permanecer assim. Gelo e saudade. A atmosfera fazia com que o ar saísse de meus suspiros abandonassem meu corpo em chamas. Era como se eu não respirasse e não abrisse os olhos há muito tempo ou como se jamais os tivesse usado. Meu corpo cansado me fazia sentir que eu não me encaixava e que, àquele ou a qualquer outro universo, eu não pertencia.

Engraçado pensar que tudo ao meu redor, que pouco a pouco parecia cristalino e visível aos meus olhos, dissesse tanto do que eu era. As paredes azuis me faziam lembrar da cor e um movimento lento do meu braço fez descer a coberta, deixando minha pele entrar em contato com a época do ano que eu me lembrava de gostar tanto. Não era mais o frio de minhas paixões silenciosas, nem o abandono do meu sono profundo. E o toque do meu irmão se materializou ao meu lado.

Minha primeira lágrima fez arder todo o resto do olho, trazendo consigo mais algumas delas. Ele suspirava e não me enxergava de olhos abertos. Mesmo assim seu carinho se manifestava em devoção. Minha voz não saía e não pude chamá-lo. Porém, eu havia aprendido a não ter pressa. Respirei. Senti que o mundo havia virado as costas para as paredes daquele quarto e me confundi na figura solitária dele. Senti que admirava meu próprio semblante. Pude ver o anjo da guarda que vovó insistia em nos lembrar da existência. Mas essa lembrança não passava de águas passadas sob a ponte de névoa e tempo que me separara da vida.

Não lembrei do acidente ou do motivo ou das palavras que ofenderam e fizeram ferir e chorar e gritar e morrer num sono de abandono. Das lembranças tristes, nada me restava. E ele permanecera como eu havia sonhado que fosse. Realmente, ele permanecera no leito de arrependimento e lágrimas. No entanto, as lágrimas que antes eram de meu irmão agora eram minhas. Ele poderia me ver deitado suspirando e piscando e aspirando a viver novamente.

Quem nunca desejou despertar para uma nova vida? Por instantes senti, mais pelo desejo de quem sonha, que seria feliz desta vez. Que teria amigos espalhados pelos cantos do mundo. Amigos distantes. Amigos de letras e mistérios. Porém, a palavra triste que não havia na lembrança e que não existia na maldade concebida pelo destino. A janela batendo me fez sentir o colchão. Elas não voltavam. Das lembranças tristes, nada me restava. Porém, elas espreitavam e cochichavam e conjuravam feitiços que vinham de encontro à fraternidade de nossa revida.

Ele me viu. Virou o olho devagar, daquele jeito que irmão mais novo e que viveu uma vida maior que a sua faz. Fez-me chorar sem controle. Doeu o abraço. Meu corpo não era mais meu, mas eu havia retomado minha alma. E nos juntamos como quem ama mais que distância ou som ou tempo ou morte. Juntamos-nos com quem não nasceu para nada além de sentir. Recordei dos dias em que rezávamos ao pé da cama com as mãos juntas. Recordei do Deus e dos santos para os quais rezávamos. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro ainda tinha meu carinho. Lembrei daqueles dias em que A deixava me levar no seu colo. Ela me protegia, como uma Deusa, como uma Guerreira com mantos azuis e leves e singelos e doces como o amor de Mãe e Advogada do Filho no mundo grande e confuso representa.

O abraço durou para sempre. Para sempre com olhos fechados para só sentir e para só viver e para fazer despertar vida no meu pensar. Não importava qual o tempo. Não importava o local. Eu chorava e o salgado dos meus olhos se misturava com o mar de águas claras e verdes de sabedoria que vinham dos dele. Cada um escreve como sente e meu irmão jamais saberia. Porém, nada disso importava, pois, das lembranças tristes, nada me restava.

4 comentários:

Alice Salles disse...

já falei o que tinha que falar para o Felipe a respeito desse texto e vou falar agora pra vcs.

Não importa muito como é contada a história. Ou quem conta. Na realidade o que pega a gente, o que fisga a gente é o que o texto nos faz sentir. E esse texto me fez sentir bem. That's it.

Anônimo disse...

Minha cabeça anda economizando palavras nestes últimos dias. Eu ando tomada de uma tristeza gigantesca, que vem da doença do meu pai, da proximidade do fim, da crueldade da perda antecipada, como se tivéssemos que perder as pessoas que amamos muitas vezes até o fim se consumar.
Tenho ensaiado sem querer a tristeza que vou sentir, como se isso me ajudasse a diminuir a dor logo ali na frente.
E é por isso, e por não aguentar mais chorar, que eu não tenho muitas palavras para dizer agora.

O texto é lindo. E eu escuto além do que ele tem a dizer.

:)

Felipe "Tito" Belão disse...

seu comentário que é lindo, mer...

beijos com carinho

Fastolf disse...

É lindo, realmente...
um dos mais bonitos que já passou por aqui.