Conversadeira da Sé V
por Alice Salles
Era ele de novo.
Aquele moço.
Tirou o chapéu do mesmo jeito, se abaixou assim como quem pega lenço no chão e já chegou perguntando coisa.
-Sobreviveu à tempestade?
Não sei porque raios eu fiquei meio gaga do nada, mas sei que demorou um pouco pros neurônios funcionarem. Assim que percebi que tava devagar dei uma de desentendida, tossi e respondi logo:
-Ah sim, claro! Foi uma chuvinha de nada.
-De nada? De nada mas deixou tua salinha arrasada pelo que vejo!
-Ah não! Isso foi o Zé!
Dei uma risada amarela e ele me sorriu daquele jeito que me deixou meio zonza,não demorou muito e ele se sentou a minha frente, colocou o chapéu sobre o colo, ajeitou o cabelo e olhou bem fundo nos meus olhos.
-E então? Descobriu como eu faço pra resolver meu problema?
-Ah, não é assim! Vamos conversar melhor...
-Não quero ficar conversando, Hadevina! Quero a cura!
-Mas cura pra que, homem?
-Pra essa dor na minha alma!
-Ah, mas a gente "a" de ver que as coisas não funcionam assim! Você ainda não me contou da sua mãe.
-Minha mãe não tem nada a ver com isso!
-Tem de ter! Todo mundo tem problema com os pais!
-Eu não!
-Ah, então seu problema é seu pai?
-Não!
-Ele abusava de você quando era pequeno? Ai meu Deus...
-Não!
-Eu sei que é difícil, pode se abrir!
-Não é nada disso!
-Aqui você pode falar o que sente...
-Mulher! Eu não tenho problema nenhum com meu pai e nem com a minha mãe!
-Então é algum irmão mais velho que não foi bom procê?
-Não!
Eu via que ele estava ficando impaciente! Comecei a me sentir um pouco culpada porque realmente parecia que o homem era uma pessoa nobre. Nobre, nobre eu não sei né? Nunca conheci gente assim, só ouvi falar disso em filme e geralmente eram aqueles filmes chatos com gente que usa peruca branca e toma vinho em tacinha de brinquedo, sabe? Pois bem, foi aí que percebi que o moço tava estressando. Resolvi mudar a tática.
-Está bem então... Pra te falar a verdade, pensei muito no que você me disse.
-No que eu te disse? Sobre o mundo?
-Sim, sim, isso.
-E no que você pensou?
-Pensei que não posso te ajudar. Meus remédios são pra quem tem probleminha besta e que sofre porque não tem gente que realmente possa se abrir, sabe? Eu não tenho remédio pro mundo. O mundo é muito cheio de gente assim! Imagina se eu resolvo abrir essa barraquinha pro mundo! O que vai acontecer comigo? Eu que não aguento!
-Então o que eu faço?
-Faz o que quiser!
-Não! O que eu faço com a minha falta de paz de espírito?
-Não sei! Porque você não arranja um "róbi"?
-Hadevina!
-É verdade! Ajuda muito a gente a esquecer! O meu é cantar as músicas do Vando!
-Hadevina...
-Verdade!
-Faz assim, você tem que ficar aqui até que horas?
-Ah, não senhor! Não vou pra lugar nenhum com o senhor!
-Não vou te fazer mal algum!
-Não posso, tem o Zé!
-Ele vem junto, oras...
-Não senhor! Olha, o senhor seu moço já está me deixando nervosa. Por favor, vá embora, tenho mais clientes...
-Está bem. Às oito estarei aqui.
-O que!?
Não deu tempo. Ele saiu e bateu a lona e o próximo entrou. Pedi pro rapaz desetentado que havia acabado de entrar esperar um pouquinho e tentei procurar por ele na rua. Nenhum sinal. Às oito horas lá estava ele na minha "porta".