13 de set. de 2007

Conversadeira da Sé – II





Marcão "Alfred do Além" Brehm

E se o povo quer ungüento, que agüente. Não era raro escutar sobre desarranjos intestinais épicos, que acabavam expurgando qualquer tipo de encosto, macumba, mau olhado ou feitiçaria.
Com o tempo, acabei descobrindo que enquanto uma mistura causava apenas um leve mal estar, a mesma com alterações sutis, fazia com que o cidadão perdesse qualquer esperança em tornar a ver algo em pedaços boiando dentro do vaso. E às vezes, todo o processo durava semanas.
A técnica era simples e singela: A pessoa sofria horrores por dias, e quando tudo acabava qualquer sentimento de desgosto, angústia ou desassossego que porventura tivesse sentido em algum lugar do passado, era sumariamente substituído por uma sensação de alívio indescritível, e pelo momento sublime em que finalmente voltava a ver algo sólido (ou ao menos, não-líquido)...
Mas esta técnica era usada apenas para casos mais críticos. Na maioria das vezes, uma boa conversinha e um chá de boldo (normalmente rebatizado com nomes indígenas esdrúxulos) já resolviam qualquer problema.
Até aí tudo certo. O problema é que os casos mais críticos eram separados dos casos menos críticos de acordo com a minha disposição de espírito em cada situação. Confesso que eram diagnósticos altamente subjetivos, ainda mais com as mudanças súbitas de humor que a gravidez me proporcionava. Mas o que fazer? O negócio estava expandindo e eu não tinha outra opção.
E eles voltavam. E agora já não voltavam sozinhos: Era a sogra possuída por espíritos malignos, o vizinho depressivo, ou o cunhado com unha encravada. Problemas diferentes, medicados com a mesma mistura de capim-gordura, pêlo de cabrito e requeijão cremoso vencido (que não podia ser desperdiçado, vide as condições de fodida-ao-extremo que me encontrava), tudo amassado junto e aplicado aos pacientes sob as mais diversas formas. Mas prefiro não entrar em detalhes.
Terrível, eu sei. Terrível, mas eficiente. Extremamente eficiente.
E devo admitir: Gostava muito daquilo.
Estranhamente, mesmo quando erva-doce e gelatina se transformavam em alguma mistura alucinógena secreta de povos lendários dos Andes, não conseguia sentir remorso. Até tentava. Não com muito afinco, confesso. Mas tentava.
De qualquer forma, não adiantou nada: A simples sensação de poder decidir quem continuaria a evacuar em pedaços e quem usaria fraldas geriátricas pelo resto da semana, me deixava estranhamente feliz.
Poder decidir sobre o futuro de outras pessoas: Uma sensação totalmente nova em minha vida, de até então, zero à esquerda.
Por um momento, até achei que havia me tornado uma pessoal insensível e eternamente amargurada. Procurava a todo instante me convencer de que prestava um trabalho social importante à comunidade, mas aquele ambiente tosco e bizarro da Praça da Sé não permitia.
Porém tudo mudou quando nasceu meu filho. Ali mesmo, na Barraca da Conversadeira, no meio da Praça da Sé. Era um dia chuvoso, e tudo aconteceu muito rápido. Senti um apertão e quando percebi, já estava com a criaturinha embrulhada em alguns retalhos. Tudo isso com a ajuda dos populares, que se aglomeravam para ver o que acontecia naquele lugarzinho tão exótico.
Estranhamente, ele não chorou. Veio ao mundo sem fazer drama: Breve e prático.
Assim, resolvi chamar-lhe Zé. Não José, mas apenas Zé. Zé da Sé. Sucinto assim.
Em poucos dias, já havia me adaptado à nova vida de mãe e voltado à atividade. O Zé me acompanhava o tempo todo, e de dentro de uma caixa de madeira transformada em berço, observava em silêncio minhas consultas com um olhar atento e curioso.
Com o passar do tempo tudo voltou a ser rotina, e me tornei uma profissional ainda mais reconhecida pela clientela.
Alguns transeuntes até chegaram a perceber o que realmente se passava na Barraquinha da Conversadeira, mas muito poucos tentaram fazer algo a respeito. A maioria só ficava indignada, e alguns saíam rindo. Preferia os que riam.
Os poucos que tentaram me desmascarar, foram prontamente censurados pelos populares (mediante violência, grave ameaça, ou ambos), que àquela altura já faziam fila e pagavam em espécie: No início, apenas beija-flores, e de vez em quando alguma garça. Com o passar do tempo surgiram as primeiras araras, depois onças-pintadas, e por fim as almejadas garoupas. Ah... As garoupas!
Tudo parecia estar se acertando, até surgir aquela pessoa.

8 comentários:

Felipe "Tito" Belão disse...

essas garoupas que são difíceis de encontrar...
nem com unguento..

agora escolher entre quem vai usar fralda para sempre ou não deve ser o tipo mais pleno de poder que pode existir no mundo...

afinal, ninguém consegue fazer nada direito desse jeito...

a idéia de cagando e andando é mero folclore.

Anônimo disse...

Mas que coisa! O cidadão mal chega e já sai deixando uma frase bomba no final do texto! Ha!

vou fazer essa moça voltar a ser boazinha como na origem. hahahah!

Anônimo disse...

Que moça? Aquela estelionatária chamada Hadevinda? hehehe
A última frase, deixei só pra f.... mesmo...

Faz parte.

Marcão "rebordosa" Brehm

Felipe "Tito" Belão disse...

hahahaha

a moça é boazinha, cidão.. só é sofridinha tb.. e não é estelionatária

Anônimo disse...

Ah... E a última frase não deixou a coisa tão difícil assim. A pessoa poderia ser tanto o pai que ela nunca conheceu ou um amor antigo, quanto o fiscal da prefeitura ou um cara da vigilância sanitária... Ainda existem muitas saídas.

Saudações entusiásticas de sábado,
Marcos "compre Barsa" Brehm

Anônimo disse...

Ah... E a última frase não deixou a coisa tão difícil assim. A pessoa poderia ser tanto o pai que ela nunca conheceu ou um amor antigo, quanto o fiscal da prefeitura ou um cara da vigilância sanitária... Ainda existem muitas saídas.

Saudações entusiásticas de sábado,
Marcos "compre Barsa" Brehm

C. Garofani disse...

eu só tive uma garoupa na vida.

Fernanda S. disse...

hauhauhauah
E agora? Quem vai surgir? Quem? Quem?