21 de mai. de 2007

Mãe?


Por Mercedes Gameiro
Desafio Caixa Preta III
Argumento sugerido por Carolina Garofani
Conto nº1



"Try to forget this, try to erase this, from the black board. Essa música não sai da minha cabeça. Que barulho chato. Esse rádio-relógio está apitando e vai me enlouquecer. Deixa eu dormir vai? Eu não tenho trabalho hoje. Que dia é hoje? Que fome…um big mac, um nuggets de 12 e uma coca grande por favor. Molho de mostarda, ta? Ah. Me vê uma batata grande também. Nossa, eu estou com muita fome. Parece que tem um oco gigante no meu estômago. Alguém desliga esse rádio-relógio! Não tem ninguém em casa? Que coisa insuportável! Ai que fome... cadê o meu big?
Que cheiro de desinfetante. Será que a Jussara não aprendeu ainda que só é pra limpar os banheiros depois que todo mundo tomou café? Eu nem acordei ainda e já tenho que sentir esse cheiro forte. Jussara!! Trava esse rádio-relógio! Hm…um pão na chapa da Jussara, com bastante manteiga dos dois lados, queijo de minas derretido na frigideira sujinha de pão, cheio de migalhas torradinhas, um ovomaltine batido no meu copo do Back to the Future, bem gelado. Por que será que eu tenho tanta fome? Preciso ligar pra Roberta. Ontem quando eu deixei ela em casa eu tava tão bêbado...Vou pedir desculpas, senão não vai ter arrego e hoje é sábado: dia de jantar fora com ela, depois um motelzinho...se o pai me der grana. Senão vou ter que pedir de novo a chave da garagem do Mamão. Putz! A Roberta detesta quando eu levo ela pra lá. Mas que frescura...não dá pra dizer que o meu carro é ruim. Super confortável vai?! Onde ela vai arrumar outro namorado com um Monza novinho, cheirando a Azarrô? Ainda mais que não é sempre na garagem. Tá que não é um lugar bonito nem nada, mas a música é boa. MÃEEE! Que droga esse rádio-relógio! Dá pra desligar essa coisa?
Preciso levar o carro pra lavar também. Não lembro direito, mas acho que caiu maionese do x-frango de ontem. Que burro: enche a cara, depois vai pro Beto Lanches comer X-frangão no carro limpinho! Se manchou o banco eu vou ficar muito puto. Vontade de fumar. Acabou meu cigarro e eu não comprei. Mas vou comer antes, acho. Hm…tudo o que eu quero é comer depois acender um Hollywood. Eu devia ser modelo pra fazer aqueles filmes do Hollywood. Viajar fazendo esporte radical e ganhando cigarro. Fora a grana do cachê. Mas fui fazer direito. A Jussara tinha que aprender a fazer a maionese do Beto Lanches. Não tem outra igual. Esse bip vai me enlouquecer! Cadê o meu bip por falar nisso? Que tecnologia incrível, né? Os caras da faculdade ficaram morrendo de inveja do meu bip novo. Pager, meu filho, pager é o nome do aparelho! Ha! Pensa o que? Empregão! Os caras pensam milênios na frente, fazem tudo igual à matriz em Nova Iorque. Precisa falar comigo e eu não estou em casa nem no escritório? Me bipa, gatinha... eu te ligo em cinco minutos. Se for urgente, é só mandar um 911. Não vou nem ensinar a Roberta a mexer nele. Tá louco? Se ela pega o telefone da Simone no meu bip adeus motelzinho de sábado! Putz, claro! Não é o rádio-relógio, é o meu bip que tá tocando. Mas quem vai me procurar num sábado? Que dia é hoje? Será que não é sabado? Se a Jussara está limpando o banheiro não é sábado. Por que que eu não fui trabalhar? Cadê meu bip? Mãe? Você tá aí? Ela deve ter ido passear com o nenem. Mania que nenem tem que pegar sol. Maior frio e o menino tendo que andar na rua. Será que ela fazia isso comigo? Por que que eu não fui trabalhar? Trabalho e faculdade juntos... Isso tá acabando comigo. Qualquer dia a Roberta vai arrumar outro, porque eu nunca tenho tempo pra sair com ela. Acorda as oito, trabalha até meio dia, uma hora e meia de almoço, trabalha até as seis e meia. Corre pra faculdade, aula até às dez e meia. Todo dia. Sem foga. Só sábado. Mas hoje não é sábado? Não pode! Ontem era sexta. A gente foi no casamento do Mauro e eu enchi a cara na festa, a Roberta ficou brava comigo por causa da Simone, eu levei ela pra casa brigando, voltei pra festa, peguei a Simone, dei uns beijos e fui pro Beto Lanches comer. Nossa! Lembrei! Sujei tudo. O carro e o vestido da Simone. Ai! Então tem duas furiosas comigo agora, não só a Roberta. Lembrei! O sanduíche caiu no colo dela quando ela me beijou, eu passei o guardanapo e borrou tudo. Isso, lembrei! Levei a Simone emburrada pra casa e depois...depois...depois o que mesmo? Não lembro como eu cheguei em casa. Que cheiro ruim de desinfetante, Jussara! Desinfetante? Será que não é sábado? Eu levei a Simone pra casa. Ela tava nervosa, bateu a porta do carro, me chamou de idiota atrapalhado, criança, imbecil. Lembrei. Depois eu vim pra casa. Depois… será? Tinha uma blitz? É. Isso. Sirene, luz piscando, alarme de carro, fum... fumaça? Ai. Minha cabeça... esse bip estava no carro. No que tinha sirene. Sirene. Luzes. Quanta gente. . . que bip insuportável. Eu lembro...Eu acho que eu lembro. Tinha um acidente. Não era blitz. Acidente. O som do carro que bateu estava alto: Jeremy spoke in class today, Try to forget this, try to erase this from the black board. O cara não conseguia sair. Eu parei na esquina pra ver, mas não podia ajudar. Não precisou, porque os bombeiros chegaram, e polícia, e um monte de gente. Os para-médicos tiraram o garoto do carro. Cara…a minha idade! Todo ferrado! Imobilizaram o cara, levaram pra ambulância. Eram mais três carros. Que idiota! Eu que bebo e ele que faz merda! Furou o sinal e bateu em três carros. Acho que matou gente. Será que ele morreu? Try to forget this, try to erase this from the black board. Ninguém pensou em desligar o som do carro. Acho que nem dava pra achar o som do carro. O outro carro pegou fogo. Eu lembro. Alguém desliga esse bip. Que ruim. Minha cabeça está doendo…eu lembro. Cadê a minha mãe? Jussara? Você tá aí? Cadê a minha mãe? Por que eu to nervoso? Por que eu to com fome? Por que eu não fui trabalhar? Cadê o nenem? Que silêncio ruim. Alguém desliga esse bip? Eu lembro. Acho. Lembro do barulho imenso. Tudo tremendo e rodando. Parece um terremoto. Fumaça. Cheiro de... Tudo molhado, é sangue. Era eu? O cara que furou o sinal era eu? Cadê a minha mãe? O que que é esse bip? "

- Mãaaaaae! Cadê a minha mãe??

Bip, bip, bip, bip.
Ele acorda no quarto do hospital, 14 anos depois, ouvindo o bip do equipamento de monitoração, sem fazer idéia de onde anda Roberta, Simone, seu bip, seu carro, ou de como possa ter acabado aquela noite de sexta-feira.

7 comentários:

Flavia Melissa disse...

a-do-rei!!!
adorei o tom drama psicológico, ducarai!

Rodrigo Gameiro disse...

Nossa!!!

Angústia!! Me lembrou os tipos de sonho que vc tenta abrir o olho, faz uma força descomunal e não consegue! Aí ouve as pessoas ao redor falando tenta fazer qualquer barulho para se comunicar, nem que seja um urro. Nada sai!!

Angustiante!!!

C. Garofani disse...

gente... me apertou o peito aqui! nao conseguia respirar!!!

boa... obrigada pelos personagens! :D

Fastolf disse...

Sexta-feira 13?
Eu vim ouvindo Jeremy para o trabalho hoje!
Ouvi só 345689043569085643890534687 vezes.

Quem é a manhã? Gravata ou Carol? E depois? E depois de depois? E depois de depois de depois? E... ta bom, eu paro.

Alice Salles disse...

Eu quero ir logo! :D:D:D:D

Mer! Não podia ter escolhido melhor música... caramba! Parece q eu vivi isso agora!
Mto mto bom
Beijos

Anônimo disse...

Meu primeiro pensamento...14 anos em coma!!!

Gravata disse...

:D