2 de mai. de 2007

O Copo, O Relógio e o Telefone VII


por Alice Salles - Desafio Caixa Preta II . .




Pronto. Eram assim que os dias se passavam pra mim enquanto a silhueta de Dana não se fazia presente na parede do quarto... quarto? Que quarto, Jan-Luc? Esse nome me soava estranho. Levantei a cabeça, era a força que tinha guardada e a usei para levantar a cabeça e o quarto girava ao som de um barulho qualquer daquele quarto qualquer onde haviam me esquecido. Precisava sair dali e jurar pra mim mesmo que o tempo que passou não era real, foi sonho. Dana, Dana... esse nome martelava em minha cabeça. Ela foi embora, será que foi? Será que eu fui embora? Será que parti? Não sei. Preciso encontrar meu celular que é meu único meio de encontra-la. Dana, Dana, será que eu deixei você ir?
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*** .

Duas horas e meia nesse troço, nessa fila que não anda. O sol está meio de lado, como quem diz que cansou de girar. O me celular está no bolso da jaqueta preta, a gola alta do blusão de frio está pinicando. Maldita Tia Luzia, pra que fazer tanta coisa de tricô que só eu uso? O Sol continua cansado e a fila não anda, só quero um café, desses duplos, enormes, pode ser com conhaque, pode ser livre de gordura, pode ser claro, escuro, médio e pode até ser de outra pessoa, só quero um café. Faz dias que Jan-Luc não liga e nem dá as caras, a fila não anda. Deixei arquivada a última mensagem avisando das dezessete ligações no meu celular, precisava me agarrar a algo enquanto tudo não fazia sentido. Tudo não fazia sentido. A fila andou.
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***
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"Sei que deve estar aqui esse celular."
Procurei naquele maldito quarto, procurei pela sala daquele lugar que estava fedendo a tudo que me lembrava do que não queria ser. E meu celular não aparecia. Não adiantava nem tentar ligar para ele, nessa altura já estava sem bateria e eu sem esperança de nada. O sol estava caindo, na parede se formava uma sombra que lembrava aqueles relógios de sol antigos marcando a hora de cair fora dali. "Quem mais tem o celular de Dana?" . Perdi o tempo e saí, era noite. Fui andando pra longe das luzes, das mulheres, do cheiro de vodka por todos os lados. Será que havia tempo? Alcancei meu bolso esquerdo e encontrei minha carteira, estava vazia. Sacanagem das bravas, como fui parar ali? Fui andando até onde não avistava mais registro daquele mundo. Eu estava decidido a encontrar a única pessoa que me dava qualquer coisa parecida com a paz que meu pai costumava falar. Estava decidido. Passei em um caixa eletrônico e tirei uns cem contos. Acho que era o suficiente.
"Como ainda tem dinheiro na conta?"
Obra divina, meu caro.
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***
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Com meu café tenho que segurar o choro.
É o café o único que me entende. É o pobre café com conhaque que eu pedi. Estou nesse lugar quentinho, nesse lugar bonito, cheio de gente bonita com cheiro de sabonete e com casacos bonitos de baixo desse céu bonito e preto sem estrelas. Estou ali, quieta com o meu café. O café olha pra mim e pede paciência. Meu celular não toca, maldito. Não toca. Eu tento não pensar. Quanto mais penso mais vazio fica o peito e nada mais de loucuras, quero um tempo. Dois minutos e o celular toca, Jan-Luc brilhando na tela colorida do meu motorola. Do outro lado muito barulho e uma voz de mulher.
-Alôouu...

-Alô? Quem tá falando?
-Ai querida, teu home esqueceu o celular por aqui, sabe?
-Por aí onde? Home!?

-É... aquele moreno, dona. Um de olho verdes. Sabe?

-Sei sei, mas onde é aí?
-Ah dona, aqui é uma casa de... muléres, tá sabendo? .

Dois segundos. Pausa. Gosto de dois segundos, não gosto de três, nem de cinco, gosto de dois.
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-Enfia essa merda desse celular onde te trabalho de achar, minha filha.
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Desligar o celular na cara da rapariga foi fácil, o difícil foi o choro engolido do depois. O difícil foi pedir consolo pro café com conhaque. O difícil foi alcançar a nota de dez reais na carteira pra pagar mais um café desses. Carregado. Preciso de algo carregado.

"Não, me vê dois!"
Era tarde e meu celular estava quieto novamente.
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*** .
"Ah, vou pra casa dela, certo que a encontro por ali mais cedo ou mais tarde." Não me lembrava de nada direito, depois dos porres, depois das cortadas, depois das garotas. Garotas? Sei lá. Peguei um táxi e pedi pra me levar até a sua rua. Aquela rua perto daquela avenida famosa, sabe qual é? O mané do taxista me olhou com cara de poucos amigos, eu mesmo nunca tive muitos amigos mas quando há grana amigos são fáceis. .
-Meleca!

-Que foi motorista?

-Hoje é dia de procissão! O senhô tá vendo? A gentarada na rua?
-Não vai dar tempo assim! Dá um jeito senhor!
-Não dá, tá tudo parado...
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Pulei do táxi pra fora, milhares de pessoas por todos os lados, gente, gente, gente da pior espécie: cheios de fé em milagres. Era de um milagre que eu precisava. Milagre.
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*** .

Eu andei pelas ruas com o meu quinto café com leite e conhaque, já estava meio bêbada. Via muitas pessoas pelas ruas mas não ligava, tudo que me importava era chegar em casa e dormir com o meu travesseiro entre as pernas, com meu cobertor quente e com a televisão ligada. Queria minha televisão ligada no mais alto volume. Queria Jan-Luc sem culpas mas nunca o teria. Desde quando estava apaixonada assim? Não fazia idéia, tudo era estranho. Chegando perto da minha casa vi mais e mais gente, era uma procissão! Maldita Fé! Estava cansada, queria meu quarto. Com dificuldade e empurrões cheguei até à portaria. Seu Matias me deixou entrar e disse qualquer coisa que eu não entendi. Graças! Odeio jogar conversa fora com o Seu Matias. Subi as escadas porque o elevador não chegava. Morava no quarto andar e o barulho da rua estava por todos os lados, gente louca bem perto de gente louca, gente louca por todos os cantos. Meu copo de café com conhaque já estava vazio e uma mão segurou a minha quando girei a maçaneta.
. Esfreguei meus olhos. .

*** .

Ela esfregou os olhos e eu já estava delirando no momento, nem esperou eu dizer nada, não disse nada, só gritou! Como se grita um guaxinim encurralado. Como esperneia uma criança com fome... ela gritou e me empurrou e dizia no meio de seus gritos coisas inteligíveis. Tentei segurar a porta e fiquei com medo de ser chutado mas quem ligaria? Estava em ponto de ameba, minha barba por fazer a dias, meu cheiro misturado com vodka, lençol barato e quindim com uma boa dose de suor... ela continuava brava até uma hora que parou. Parou seca na minha frente, cara de ódio, lágrimas nos olhos e uma confissão.
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- Se tivesse entendido que eu queria só você não ajudava. Eu te queria e agora te quero longe. Você não quer nada e tem a cara de pau de aparecer na minha casa, saia daqui sem nem pensar em dar um passo de volta. .

Tinha algo nos olhos dela, uma frieza triste enquanto a lua brilhava na janela do corredor, a lua cheia, gorda e fria brilhando entre nós. Fui me afastando e ela bateu a porta na minha cara. Não sabia mais o que fazer. Fiquei um certo tempo parado, olhando pra lua que mais parecia uma nádega imensa e peluda e gritei pra todos ouvirem: .

- OH BABY, YOU'RE SO VICIOUS!

...continua...

11 comentários:

Anônimo disse...

Wow.
Quando a gente começou, o problema era que se tudo fosse na primeira pessoa, viraria um drama psicológico pesado.
De uma hora pra outra começamos a ter DOIS dramas psicológicos, com DUAS pessoas flando na primeira. Eu fica cada vez melhor...

"Oh baby, you're so vicious!"

Anônimo disse...

Nossa...tudo errado. Eu disse: E fica cada vez melhor!

Alice Salles disse...

que bom que você gostou!

essa musica saiu do nada! eu queria por outra referencia musica, em portuga mesmo, mas nao saiu! :(

Beijinhos

Felipe "Tito" Belão disse...

nossa... os crentes, eu sei bem...
aliás, vários pedaços, eu sei bem...

é o texto que tem pedreirice e é mais lindo que eu já li...

dá até pra se emocionar lendo nádega imensa e peluda...


mto bom!

Felipe "Tito" Belão disse...

de quem é a vez?
rodrigo outra vez?

Fastolf disse...

Ufa, agora eu me achei.
Estava com medo, mesmo!
ahahhahhaha

A vez é da Flávia, e por que o sr está me pulando?
Depois da Flavia sou eu e quem tapa buraco é a Mercedes.

Thanks, Lili

Gravata disse...

Gostei! Muito bom! :)

C. Garofani disse...

eu quero saber o que aconteceu com o bigode!!!

haahahaahah lua bunda branca peluda foi demais. gente que drama pesado... aliceeeee vc ta bem??

Anônimo disse...

Eu só queria entender....
Flávia, o que faz uma menina de 21 anos pensar que a lua se parece com uma nádega gigante peluda?

Alice Salles disse...

Ai genteeem!
Eu to bem!
Eu não sei pq eu liguei a lua a bunda mas fez sentido na hora! :D

Beijos

Unknown disse...

Caralho!!!

Ainda bem que não serei eu que continuo este capítulo!! Ia ser difícil manter o nível!!!

INCRÍVEL!!!

Adorei!!